Copa do Mundo Rússia 2018

E se fosse Uruguai x Brasil? Os dilemas de torcer pelos uruguaios (trabalhando para os brasileiros!)

Seleção Uruguaia
Foto: Julian Finney/Getty Images

A semifinal França x Bélgica bem que poderia ser um confronto sul-americano daqueles bem acirrados, para causar uma bela agitação na redação do Ganhador…                          

Esperamos durante anos – para acabar assim, em poucas horas. Foi na mesma sexta-feira e praticamente na sequência que Uruguai e Brasil deram adeus à Copa do Mundo. Houve uma lamentação a mais nesta dupla eliminação sul-americana. O Ganhador esteve prestes a oferecer aos seus leitores uma situação realmente muito rara, a de ter um torcedor da seleção uruguaia (eu) trabalhando para uma equipe de brasileiros. Que pena!

 

E por que o Uruguai?

Por estudo e trabalho, Montevidéu tem sido um dos meus lares nos últimos anos. Costumo brincar que sou um “nômade digital sem casa e com muitos tetos”. E um desses tetos fica na Playa de los Pocitos, um delicioso bairro na capital uruguaia, onde posso fazer tudo aquilo que os pocitenses fazem: caminhar pela rambla, observar o Rio da Prata, tomar um mate e ler muito. De preferência Galeano ou Benedetti.

A forma tranquila de ser do uruguaio me cativou de entrada – e quando falamos de entrada, é necessário dizer que isso ocorreu no começo da década, já há sete ou oito anos. Todo brasileiro já teve algum contato com a “mania de grandeza” dos argentinos, e a mania do uruguaio é bem diferente, é uma mania de ser discreto, de não chamar a atenção, de ser cordial e de levar a vida com leveza. Deixo um exemplo bastante válido: a banda de rock de maior sucesso no Uruguai nos últimos anos se chama “No Te Va A Gustar”. Você não vai gostar. E uma das melhores músicas dessa banda é “Cero a la izquierda”. Zero à esquerda, que canta: “Eu quero estar à esquerda do zero / Não me analise, não vou mudar”.

Isto é o Uruguai. Um país discreto em território, população e temperamento – desde que não se desperte o espírito combativo que eles tanto se orgulham e chamam de garra charrua.

Tal espírito, com o passar do tempo, ficou bem claro que nada mais é que uma autoproteção. O país tem 3,5 milhões de habitantes e é vizinho de uma Argentina de 44 milhões e de um Brasil de 208 milhões. Todo o Uruguai equivale a um quinto apenas da cidade de São Paulo. Não haveria outra forma de se preservar do que não mostrando as garras a qualquer tentativa de domínio dos vizinhos.

Isso, claro, é uma análise rasa da antropologia e do “darwinismo social” empregado aqui para a América do Sul. No que diz respeito ao futebol, não há sequer o que discutir: o uruguaio ama o jogo brasileiro e sabe que a comparação é inexistente. A qualidade do atleta brasileiro é infinitamente superior, e isso se aplica também às seleções. Tanto que no último encontro entre os dois países no Estádio Centenário, um 4×1 para o Brasil no ano passado, o que o público uruguaio fez foi aplaudir. E com sinceridade, não como uma maneira de alfinetar o próprio time.

 

Cavani x Neymar

Engana-se quem imagina que a rixa entre uruguaios e brasileiros cresceu nos últimos tempos pelo choque dos astros do PSG. O uruguaio segue ao pé da letra aquilo que o Maestro Óscar Tabárez, técnico da seleção, costuma repetir sempre que tem um microfone em mãos: “O importante não é vencer e o importante não é deixar de perder. O importante é ter tranquilidade e não ter estridência”.

Tal fleuma uruguaia – que dá pleno sentido ao apelido de “Suíça das Américas” – pautaria todo o trabalho com os demais especialistas aqui do Ganhador. É do instinto humano acompanhar qualquer evento esportivo aplicando o desejo de que alguém vença. Neste Uruguai x Brasil, a partida seria analisada da maneira mais tranquila possível – e se há uma característica que envolve a minha relação com os demais aqui é a tranquilidade e a tentativa de ser amigável e pouco estridente, para usar uma palavra sempre repetida pelo Maestro Tabárez.

Quando escrevemos profissionalmente sobre algo, escrevemos com base em muitas horas de voo e naquilo que Freud chamava de “dichter” – a criação de acordo com uma específica paisagem mental. O texto nada mais é do que aquilo que a gente observa – às vezes, ele aborda também aquilo que a gente gostaria de se observar, mas na análise esportiva tal vontade é deixada de lado em prol da leitura dos fatos.

Portanto, com o Uruguai ganhando ou perdendo para o Brasil, sem brigas ou ufanismos da nossa parte – a não ser que a inspiração do dia pedisse uma provocaçãozinha, que também é válida, por que não? Em se tratando de conteúdo, (quase) tudo é válido, desde que a mente esteja devidamente aberta.

E no que diz respeito à cultura e à vanguarda, convenhamos: o Uruguai ultimamente anda sendo um exemplo não só ao Brasil, mas a qualquer outro país daqui do continente…

 

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