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Opinião: Este Corinthians é um time de grandes homens – não de grandes jogadores

Foto: Alexandre Schneider/Getty Images

Maturidade e evolução humana – e não só técnica – explicam o fantástico desempenho do líder do campeonato

Cássio estava acima do peso e desmotivado. Não era para menos. Poucas luvas do futebol mundial pesam mais que a do Corinthians, e suas mãos e suas costas já estavam cansadas de tanta exigência.

Afinal, desde o mágico 2012, com o título da Libertadores e do Mundial, ele defende os sonhos da sua nação de 35 milhões de torcedores.

Percebendo a má fase e sofrendo com os rigores físicos do esporte, o goleiro cabeludo saiu de cena; se tratou, recuperou a forma física e hoje é um profissional ainda melhor do que era quando assumiu a titularidade corintiana há cinco anos.

Ele fala abertamente. Teve problemas com o álcool e flertou com a depressão. Recolheu-se e encontrou as saídas para driblar suas dificuldades. E hoje é olhado com carinho para defender traves ainda maiores que as do Corinthians – simplesmente as da Seleção Brasileira às vésperas de uma Copa do Mundo.

Cássio está com 30 anos. Está longe de ser um garoto. E longe também de ser uma estrela do futebol brasileiro – jogando aqui, no cenário nacional, ou no exterior.

Na história do Corinthians, sim, ele pode fazer parte de qualquer lista que tenha também os nomes de Gylmar dos Santos Neves, Ronaldo e Dida. Mas sua reviravolta é um exemplo excelente para descrever o alicerce deste Corinthians inacreditável que não perde há 26 partidas.

E qual a base deste Corinthians? O respeito. A vergonha na cara. Um grande time pode ser feito de grandes jogadores, sim. Mas é feito principalmente de grandes homens.

O Corinthians 2017, de fato, não conta com os maiores talentos. Tanto que era chamado de “quarta força de São Paulo”, muito atrás de Palmeiras, Santos e São Paulo. O que ninguém considerava era algo bem mais importante que a força técnica – a força humana.

E tal força é vista inclusive agora, no topo.

Seria fácil demais para este Corinthians bater no peito e tripudiar do que ocorre, por exemplo, com o São Paulo e sua escandalosa campanha que o deixa só à frente do Atlético Goianiense. Seria fácil demais gargalhar do Palmeiras depois do 3×0 da Ponte na semifinal do Paulista. Mas não. Nada de sarro, nada de polêmica, nada de Vampeta, nada de Romarinho, nada de Emerson Sheik. “Quanto mais uma pessoa sabe, menos ela fala”, escrevem os chineses há milênios – e tal sabedoria é muito clara em todos os passos deste Corinthians 2017, este imenso “case” de eficiência e discrição.

Muito talvez por seus jogadores conhecerem bem o outro lado da calçada – o lado da farra, da ostentação, da desconcentração.

O roteiro seguido por Cássio foi repassado também por outras duas figuras deste Corinthians, como Jadson e Jô. Jadson, segundo seu ex-técnico Mário Sérgio, chegava bêbado para treinar no Atlético Paranaense no começo de carreira. Jô fez coisa pior. Em outro Atlético, o Mineiro, compôs uma dupla infernal com Ronaldinho e fechou muitas portas atrás de si justamente pelo descontrole que ofuscava o que agora está muito claro: ele faz tudo por merecer inclusive ser o artilheiro deste campeonato.

Tal mudança de comportamento dos atletas não seria possível sem um líder descomunal como é este Fábio Carille.

Já pararam para pensar bem no seu feito? Não é só o Corinthians que está há 26 jogos sem perder. É também o técnico estreante no primeiro trabalho da carreira.

Carille começou o ano com a orelha pegando fogo. Ouviu de tudo. Inexperiente, não merecia o emprego que tinha, daria vexame, brigaria para não cair para a Série B.

Hoje ele poderia ser o primeiro a retrucar os muitos críticos e alimentar polêmicas tão tristes quanto habituais. Ninguém ganha. Todo mundo perde. É impossível ser feliz com tanta gente falando ao redor. O bate-boca seria péssimo a ele e aos seus jogadores. Carille fez exatamente o contrário. Fechou a boca, respeitou o outro, trabalhou. E hoje colhe o que plantou.

Este Corinthians plantou respeito e está colhendo admiração até das torcidas rivais.

Perder para este Corinthians vai doer. Claro que vai. O Palmeiras nesta quarta no Allianz Parque vai se matar para ganhar. Mas quando do outro lado do campo está um rival tão na boa, não só na tabela, mas consigo mesmo e com os outros, é mais fácil de aceitar. O placar é só um placar, não é nada que atinja o respeito e o ser humano.

Esta é a grande mensagem deste Corinthians 2017. Um tremendo time ganhador. E nem vai precisar do troféu de campeão para ser lembrado assim.