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O legado paralímpico brasileiro

Foto: Heusi Action / Miriam Jeske/ ME

Inexplicavelmente pouco divulgados, os resultados do desporto paralímpico brasileiro crescem ano a ano, cumprindo com uma importante função social na inclusão e desenvolvimento de pessoas com deficiência e – tão importante quanto –, mostrando que, se bem administrados, os recursos públicos geram resultados impressionantes.

 

A importância da prática esportiva

No último dia 3 de dezembro foi comemorado o Dia Internacional do Deficiente Físico e, usando o marco como um “trampolim”, especialistas em saúde no mundo inteiro reforçaram a importância da prática esportiva para pessoas com deficiência. Além dos evidentes ganhos físcos, como agilidade, equilíbrio, força muscular e coordenação motora, a prática esportiva – recreativa ou de competição – apresenta uma série importante de ganhos psicológicos como aumento da auto-estima, a consciência de se trabalhar com metas e a capacidade de lidar com triunfos e frustrações.

Constantemente incentivada pelos médicos, a prática esportiva para pessoas com deficiência vem aumentanto exponencialmente no Brasil e os resultados dos Jogos Paralímpicos Rio 2016 – realizados há pouco mais de um ano –, são motivo de orgulho nacional.

 

Banho de medalhas

O esporte paralímpico brasileiro surge em 1º de abril de 1958 quando o cadeirante Robson Sampaio de Almeida, após um período fazendo tratamento hospitalar nos EUA, em parceria com seu amigo Aldo Miccolis, fundou o Clube do Otimismo, no Rio de Janeiro. Meses depois, em 28 de julho, o também cadeirante Sérgio Seraphin Del Grande criou o Clube dos Paraplégicos de São Paulo (CPSP), igualmente inspirado pela experiência nos Estados Unidos onde teve contato com a prática esportiva para pessoas em cadeiras de rodas – especialmente o basquete.

A partir deste primeiro movimento, as coisas foram se organizando e criando corpo até que em 9 de fevereiro de 1995 os representantes da ABRADECAR, ABDA, ABDC, ANDE e ABDEM fundaram o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), com sede na cidade de Niterói, Rio de Janeiro. Em 19 de junho de 2002, a sede do CPB é transferida para Brasília. Mais próxima do “poder”, passa a contribuir, progressivamente, para o fomento do esporte de alto rendimento para pessoas com deficiência com iniciativas que foram desde a divulgação e organização de competições até o envio de atletas para eventos no exterior.

Inevitavelmente, as ações começaram a surtir o efeito esperado durante a Paralimpíada de Sydney, 2000, na qual o Brasil ficou em 24º lugar no quadro geral de medalhas, após a conquista de 6 ouros, 10 pratas e 6 bronzes. Quatro anos depois, pulou para o 14º lugar e nas Paralimpíadas de Pequim, realizadas em 2008, o país conquistou o 9º lugar, até então sua melhor participação na história dos jogos com um total de 47 medalhas: 16 de ouro, 14 de prata e 17 de bronze. Em apenas oito anos, o número de atletas da delegação cresceu 300%, saltando de 63 participantes em Sydney para 188 em Pequim. Em 2012 na Grã-Bretanha, nas Paralimpíadas de Londres, o Brasil alcançou o inédito sétimo lugar no quadro de medalhas ao conquistar 43 medalhas: 21 de ouro, 14 de prata e oito de bronze. No Rio, em 2016, emobra tenha caído uma posição no quadro geral – ficando em 8º lugar – a delegação paralímpica brasileira teve seu melhor desempenho na história dos jogos, fechando sua participação com um total de 72 medalhas: 14 de ouro, 29 de prata e 29 de bronze. O objetivo de terminar a competicão em 5º lugar não foi alcançado mas, apesar disso, o paradesporto olímpico brasileiro seguiu evoluindo mesmo com pouca divulgação e baixo interesse da grande mídia.

 

O legado dos jogos do Rio-2016

Pouco mais de um ano após a realização dos Jogos Paralímpicos – Rio 2016, o país vive um boom de pessoas com deficiência ingressando na prática esportiva. Claro que sediar os jogos contribuiu de forma decisiva para isto mas, os resultados alcançados, aliados a existência de um Comitê bem estruturado, vêm tornando possível o crescimento da inclusão de pessoas com deficiência através do esporte de competição (e também recreativo). Clubes e centros de treinamento seguem fazendo a sua parte.

Como o Vasco, que mantém atualmente atividades físicas para 98 atletas das modalidades de natação, futebol de 7 (paralisados cerebrais) e vôlei sentado – segundo dados divulgados pelo Globo Esporte – e o Centro de Treinamento Paralímpico Brasileiro, inaugurado em São Paulo em maio de 2016 (com um investimento de R$ 145 milhões do Governo Federal e R$ 119,7 milhões do Governo do Estado), hoje “herdeiro” de boa parte dos equipamentos e materiais esportivos utilizados na Rio 2016. Em um exemplo real de “legado olímpico”, halteres e pesos do halterofilismo, mesas para a prática do tênis de mesa, pisos dos campos de futebol, traves de goalball, bolas das mais diversas atividades esportivas e cadeiras de arquibancada ganharam nova vida após os Jogos.

Largada da prova de 100 metros nado de peito nos Jogos Paralímpicos Rio 2016. (Foto: Cezar Loureiro/divulgação)

Segundo reportagem do GloboEsporte.com, mais de 2 mil atletas treinaram no CT nos primeiros quatro meses de 2017, incluindo aí entidades esportivas de Japão, Holanda, Canadá e Argentina. Através de parcerias com clubes e escolinhas esportivas o local se mantém em atividade o tempo todo incentivando e aprimorando a prática esportiva. Em março, o CT Paralímpico recebeu a sua primeira competição internacional, os Jogos Parapan-Americanos de Jovens, que reuniu 800 atletas de 19 países.

É grande o contraste do bom momento do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), neste primeiro ano de novo ciclo, em comparação com o do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) que vem enfrentando problemas para se reestruturar financeiramente depois da Rio-2016. Por seu lado, o CPB já arrecadou mais de R$ 90 milhões este ano – para se ter uma ideia, o Comitê teve um orçamento de R$ 142.098.431,22, para 2016, sendo R$114.225.423,09 oriundos do repasse das loterias através da Lei Agnelo/Piva. Não se consegue números assim sem seriedade.

Mizael Conrado, presidente do CPB desde março deste ano, disse em entrevista ao GloboEsporte.com que a meta da nova administração é “consolidar, cada vez mais, o esporte paralímpico” como produto – algo que, evidentemente, tornaria as competições mais atrativas para, por exemplo, emissoras de TV e reforçariam ainda mais o caixa da entidade com a venda dos direitos de transmissão. Mas o desafio segue grande e a meta traçada pela atual gestão pretende “além de manter todo o trabalho de excelência que vem sendo feito nos últimos anos”, conquistar avanços.

 

Prática diária

Assim como acontece na inclusão escolar, a prática esportiva para pessoas com deficiência precisa de adaptações – velocistas com baixa ou nenhuma visão, por exemplo, correm ao lado de pessoas sem problemas para enxergar que, impedidas de ditarem o ritmo das passadas, garantem apenas que os atletas mantenham-se na pista.

Atletas se preparam para a largada em prova dos 100 metros rasos feminino (T11) nos Jogos Paralímpicos Rio 2016. (foto: Heusi Action / Miriam Jeske/ ME)

Os resultados conquistados por Breno Viola, também merecem aplausos. Judoca, ator do filme Colegas e ativista do Movimento Down, Breno foi o primeiro faixa preta com síndrome de Down a ser campeão mundial.

O cavaleiro – e campeão – Claudio Aleoni Arruda, também com síndrome de Down, é outro exemplo. Treinando desde os 15 anos na Sociedade Hípica Paulista, participou de muitas competições, conquistou títulos e, desde 2011, trabalha como instrutor de montaria para crianças de 2 a 12 anos dentro do projeto Pônei Clube do Brasil na própria hípica. “Fui contratado por meus méritos e minhas qualidades e sem lei de cotas”, como bem lembrou em entrevista ao jornal O Sul em 2015.

Assim como o esporte deve ser aprimorado dia a dia, a inclusão é uma prática diária. E no que diz respeirto ao esporte, o Brasil vem aprendendo, com relativa rapidez, ano após ano, que a inclusão é possível e produz resultados mais do que positivos.

Que continuemos assim.